28.1.11

Palmas para Plínio, por favor

Já nem me lembro mais como foi que esse texto parou em minhas mãos. Sei que foi ele que me fez despertar para reflexões acerca da complexidade dos homens.. e claro, para o teatro. Foi também a primeira coisa que li de Plínio Marcos - nome ao qual recorri inúmeras vezes depois e que hoje considero, ao lado de Nelson Rodrigues, um dos maiores dramaturgos brasileiros.

O Ator

Por mais que as cruentas e inglórias batalhas do cotidiano tornem um homem duro ou cínico a ponto de fazê-lo indiferente às desgraças e alegrias coletivas; sempre haverá no seu coração, por minúsculo que seja, um recanto suave onde ele guarda ecos dos sons de algum momento de amor já vivido.Bendito seja quem souber dirigir-se a esse homem que se deixou endureçer, de forma a atingi-lo no pequeno, porém macio núcleo de sua sensibilidade e por aí despertá-lo,tirá-lo da apatia, essa grotesca forma de autodestruição a que por desencanto ou medo se sujeita e por aí inquietá-lo e comovê-lo para as lutas comuns da libertação.

O ator tem esse dom. Ele tem o talento de atingir as pessoas nos pontos onde não existem defesas. O ator, não o autor ou o diretor tem esse dom. O público vai ao teatro por causa dele. O autor e o diretor só são bons à medida que dão margem às grandes interpretações.

Mas o ator deve se conscientizar de que é um Cristo da humanidade: seu talento é mais uma condenação do que uma dádiva.
Ele deve saber que para ser ator de verdade vai ter que fazer mil e uma renúncias, mil e um sacrifícios. É preciso coragem, muita humildade e, sobretudo, um transbordamento de amor fraterno para abdicar da própria personalidade em favor de seus personagens;com a única intenção de fazer a sociedade entender que o ser humano não tem instintos e sensibilidades padronizados, como pretendem os hipócritas, com seus hipócritas códigos de ética, conduta, sedução e poder.

Amo o ator nas suas alucinantes variações de humor, nas suas crises de euforia ou depressão. Amo o ator no desespero da sua inseguança, quando ele, como viajante solitário, sem a bússola da fé ou da ideologia é obrigado a vagar pelos labirintos de sua mente procurando, no seu mais secreto íntimo, afinidades com as distorções de caráter do seu personagem.

Amo o ator mais ainda quando,depois de tantos martírios, surge no palco com segurança, oferecendo seu corpo, sua voz, sua alma, sua sensibilidade para expor, sem nenhuma reserva, toda a fragilidade do ser humano reprimido, violentado.

Amo o ator por se emprestar inteiro para expor os aleijões da alma humana, na tentativa que o público se compreenda, se fortaleça e caminhe no rumo de um mundo melhor, a ser construído pela harmonia e pelo amor.

Amo o ator consciente de que a recompensa possível não é o dinheiro,nem o aplauso, mas a esperança de poder rir todos os risos e chorar todos os prantos. Amo o ator consciente de que, no palco, cada palavra, cada gesto são efêmeros, pois nada registra nem documenta sua grandeza.

Amo o ator e por ele amo o Teatro. Sei que por ele o Teatro é eterno e jamais será superado por qualquer arte que se valha da técnica mecânica.

Um comentário:

Anônimo disse...

Grande texto, grande homenagem, grandes verdades.

Obrigada por compartilhar o texto.


Talita