24.2.11

O passageiro e a gaita

(Aposto que ele subiu na Carioca. Ele tem cara de quem vem da Uruguaiana. Não que a Uruguaiana dê cara às pessoas. Ele tem cara de Sérgio. Sergio é um nome bem de adulto.. ainda que todos os Sérgios adultos já tenham sido um dia crianças. Sérgio é um nome responsável demais para uma criança. Tenho certeza que ele veio da Rua Uruguaiana, mas não pegou o metrô lá. Preferiu a Carioca. E essa gaita? O que faz ele com essa gaita e vestido de terno? Certamente não toca por trocados. E certamente não toca há tempos. (Pausa). Até que ele não toca tão ruim assim. É Bod Dylan. Como eu já ouvi Bob Dylan. Esta é uma das melhores. Como chama mesmo É... Catch the wind. Bonita... ´in the chilly hours and minutes of eternity, I want to be in the warm part of your lovely mind.. ´ (era lovely mesmo?). (Pausa).Ele parece triste. No mínimo sério. Bob Dylan é blues e blues é música ou de reconforto ou de protesto.Idade? 48..50 talvez Ele não deve ser casado. Não tem aliança. Mas tem jeito de ser pai. Daqueles pais de fim de semana que gostam muito dos filhos, mas nunca sabem ao certo como tocá-los, que presente dar, o que dizer. Deve ser triste por isso - porque não vê os filhos e os filhos o culpam por ser um estranho. Espero que ele encontre alguém.. e que toque gaita para ela. Gaita é super legal. Que ele fique mais descolado para não envergonhar os filhos e que esses passem a gostar mais dele. Ih, caramba, tenho que descer!)
- Com licença, senhor ?
(É instigante dar vida às pessoas).

8.2.11

Todo amor é inventado

Nota: Para não causar uma discussão com o João Paulo, especifico que refiro aqui ao amor entre os sexos, ou melhor, o conjugal - afetivo.


Renato Russo indagou ´Quem inventou o amor?´Cazuza cantou `adoro um amor inventado´. Eles, eu , você, sua vizinha.. todos nós quero crer (mesmo sem admitir). A idéia não é dele e outros poetas (dá-lhe Rimbaud!) tão bons quanto e tão excessivos ou mais já desnudaram o assunto. (Reparem que é uma fixação comun aos poetas. Precisamente por que para se fazer poesia a experiência do amor é primeira... assim me disseram). Sou fã de ambos e concordo, a cada dia mais que o amor tal qual é idealizado só pode ser mais uma invenção social.

Acredito que invenção é fruto de duas coisas: tédio ou necessidade. O amor é o `fruto proibido´ das duas. De proibido é cada vez mais reiventado , afinal é preciso disfarçá-lo a cada vez que ameaça os valores morais e os bons costumes.
A ameaça que hoje implica mudança provém da busca de ambas as partes por um amor sem riscos. Amor tipo descartável, satisfatório e inofensivo. Os românticos feito eu (não de romantismo,sim de nostalgia),com certeza não se identificam com essa busca. É uma pena, posto que provavelmente sofreriam bem menos. Por um outro lado a intensidade lhes favorece tanto para o ruim quanto para o bom - que de bom vira fantástico, quase transcedental. São esses que se permitem ao risco e a aventura singulares e intrínsecos à alteridadade comum ao amor. Em outras palavras - é a adrenalina da montanha russa que se projeta na possibilidade da perda a cada curva - a cada passo dado e igualmente, a dúvida sobre qual passo dar. É a eterna conquista até seu fim.

Já que todas as coisas são findas mesmo, com o amor não poderia ser diferente. Por que então, para algumas pessoas está implícita a aspiração à continuidade e à permanência de laços afetivos que muitas vezes já foram desfeitos ou sequer foram atados - já que para tal, ambas as pontas devem estar envolvidas? Perdão, algumas pessoas - em geral as mulheres. Mulheres realmente são profundamente complexas e há dias que, juro, compartilho do pragmatismo masculino de (pronta-)entrega, feito Vinícius (mais um!) descreveu como a eternidade durável.

A psicanálise defende que o amor surge para complementar-nos naquilo que o sexo sozinho não é capaz de fazer.... é: aquilo que o outro não consegue dar. Normal , já que homens e mulheres não falam a mesma língua e não compreendem imediatamente as carências alheias (com excessão de Chico Buarque, que definitivamente fala as duas fluentemente.. poeta) Assim, o amor - esse amor - só é possível devido as incertezas dos encontros amorosos ( o que hoje representam possibilidades muito maiores e mais numerosas do que para a geração de nossos avós - moralmente mais rígida). Amamos como quem joga um jogo com regras desconhecidas.Amamos como quem confia no acaso dos dados jogados.

Acontece que o acaso nunca será confiável! Ele presenteia e trai.Só a verdade é confiável. E ´só o amor conhece o que é a verdade´.( Estabelece-se aqui o paradoxo inoxidável)- Verdade essa universal e ao mesmo tempo a mais subjetiva de todas.´Ainda que eu falasse a língua dos homens e falasse a língua dos anjos, sem amor eu nada seria´, disse também o mesmo Renato Russo.