20.9.11

O sinal do absurdo

Toca a primeira campanhia. Do lado de fora,à espera, ouve-se um agito interno, vozes, o arrastar de alguns móveis, passos firmes porém lentos. É o cochicar das cochias. Segue a segunda campanhia anunciando o começar da encenação há anos em cartaz (adimira-se que há quem pague para ver). Todos a postos, luzes, os passos se aproximam e, no terceiro sinal... é a porta que se abre.

A senhora atràs da porta sorri um sorriso impecavelmente ensaiado e as palavras trocadas, cordiais, finas, são as mesmas da semana passada. Embora a cena lhe seja familiar e a próxima previsível, a criança aguarda que lhe digam para entrar. É tudo muito formal, o script rígido, os erros, quando perdoáveis, abafados; cada um com o seu papel designado sem precedentes, sem participação, sem predisposição . É assim e pronto. Ela, submetida, retribui com as mesmas frases prontas, veste seu melhor sorriso de espelho e põe-se na sua marcação.

O cenário, motivo de orgulho, é o mesmo. Ninguém questiona sua funcionalidade: como pode alguém adorar um ambiente e jamais se permitir estar lá? Está intocado. A prataria toda disposta na mesma ordem, a tapeçaria estendida, as almofadas perfeitamente arredondadas; as paredes foram pintadas no começo do ano. O assunto é este de corte e de corte. Não há improvisos, assim evitam-se discussões; não há imperfeições, assim evitam-se tabus. A conversa assume tom de monólogo... e segue-se a repetição.

Não à toa surgiu um dia o teatro do absurdo. Por que as vidas são da platéia e deixemos as personas para os palcos.

2 comentários:

Rhayane Werneck disse...

Estou assimilando ainda o texto. Não sei o que pensar. Não sei bem do que se trata, mas creio que indiretamente você definiu meu momento: um fantoche. Sinto que estou presa nas mesas cenas a minha vida toda, sem a chance de mudar o script. era isso?
Intrigante, depois compartilhe comigo o que você tava sentido ao escrever.
Saudades :*

Daniel Simon disse...

Só por curiosidade vc andou lendo Goffman? Se não, vc deveria ler. Tem muito haver com seu texto.