"Achei que quando a gente fosse grande realmente nos tornaríamos grandes" disse o rapaz dirigindo-se ao irmão mais velho que dirigia disperso pelo movimento da avenida.A maneira como ele formulara seu pensamento lhe rendera ares infantis de menino,pelo menos mais do que era de fato. O sinal fechou e o irmão mais velho freiou docemente,de forma que pode então dedicar-se à questão existencial de seu irmão: "Não compreendo - já não se é grande?" ele indagou retoricamente esboçando um sorriso tranquilo de canto de boca que mascarava sua procupação.Seu irmão não ia bem e ele o sabia. Todos dentro da esfera familiar sabiam.Aceitavam,embora não sem dor.É que às vezes o aceitável não é necessariamente admissível -é esse o vitelo da maioria do conflitos (dos existenciais aos familiares),mesmo os não exteriorizados.
O caçula pôs-se então à explicar.Respirou hesitante.Parou sem começar: a fadiga o consumira.. a idéia de que ninguém, nem mesmo seu irmão com quem sempre se entendera, o compreenderia por maior que fosse o seu esforço o cansara de vantagem. "Esqueça" ele retrucou dando com os ombros e virando o pescoço para a janela.Em seguida, antes que o meis velho continuasse, voltou atrás e soltou palavras em fluxo de consicência sem pausa nem para respirar ou para deixar cair as poças de lágrimas que iam formando em seus olhos amendoados: "Mano, é que, é que.. sempre idealizei que aos 18 eu já seria homem adulto Homem maduro Para além dos limites de uma maioridade penal ou de uma liberdade em dirigir beber Digo, achei que aos 18 minhas inseguranças seriam ínfimas ou que pelo menos eu me sentiria seguro em saber que posso ser inseguro.. seguro de ter inseguranças, entende?
Achei que as besteiras me deixariam e que a seriedadedepapai seria em mim instaurada.Achei que me contentaria com a atenção que me oferecem ao invés de reclamar aquela que não me é dada .Achei que suportaria todas as cobranças,pressões e tapas-na-cara do mudo e rindo, pediria mais morrendo de sede.Achei que as respostas viram com mais facilidade.. antes mesmo d´eu pronunciar a pergunta.Que assumir minhas escolhas seria mais fácil.Que preveria suas conseqüencias.Que as saudades e a nostalgia do colegial,das namoradas e amigos seriam passageiras.Que me levantaria da cama mais disposto e determinado a encarar a vida nos olhos ..a ganhar a vida.. a ser digno dela.Achei que as utopias sobreviveriam e que as coisas seguiriam mais linenares.Achei que poderia separar as minhas múltiplas facetas.Guardar o filho em casa,vestir o profissional pr´o patrão,sustentar o aluno na sala,o amigo pr´as sextas,o apaixonado para as tardes de amor, o filósofo para (a)manhã.Sem que um interferisse no outro.Você não entende, meu irmão! Nada disso eu conquisei!!Nada disso eu sou!!Eu não sou nada!! Nada!
Virou o rosto novamente, sufocando o choro e escondendo a face vermelha ofegante.
O sinal abrira, mas o irmão mais velho permanecera mudo, estático.Buzinas explodiam: "Saia da frente seu imbecíl!" "Anda, seu otário, acelera!!" "Filho da puta - tá travando o trânsito. o sinal está aberto!". À essa altura o carro já tinha morrido - então deram partida novamente e continuaram.
Era quase meio-dia num nublado dia de primavera.Dirigiam de volta pra casa. O primogênito fora buscar seu irmão no colégio - ele cursava o último ano do ensino médio- depois que este, após uma crise de angústia e medo(daqueles medos sem nome,causa ou dono), se recusara a permanecer na aula e o colégio ligara à família do mesmo requisitando que alguém se encaregasse de ir até lá buscá-lo, posto que ele não estava em condições de se conduzir sozinho para casa.Era a quinta vez que o episódio se repetira.Os pais já não sabaim o que fazer. A mãe insistia para procurarem ua ajuda profissional..um psquiatra quem sabe.Já o pai resistia.Era um homem rico, que havia feito fortuna na indústria de pneus.Um homem rico e ignorante.
Os dois homens (supostamente dois) continuavam o percurso.Nada disseram.Não se entreolharam.O silêncio marcado pelo "antedito" era por si só eloqüente e reveleador.
O colégio ficava em Laranjeiras e como de costume naquele horário, o trânsito estava um caos.Moravam em Botafogo.Resolveram pegar o Rebouças e seguir pela Lagoa - (lá o trânsito estaria igualmente perturbado, mas no mínimo a paisagem comtemplativa e convidativa dos Dois Irmãos e da Pedra da Gávea seria mais agradável, sobretudo se vista das ruas recobertas de folhas das tão tradicionais no Rio amendoeiras e sibipirunas - que não escolhem estação para cair)
Quão grande foi o remorso de entrarem no túnel!- Como se houvesse grande opção! - Ficaram presos por cerca de uma hora e meia.Chegaram a pensar que se tratava de um arrastão.Felizmente não.O ocorrido serviu,no entanto, de metáfora para a crise que alguém ali vivia. O irmão mais novo pensou e pensou e pensou consigo ( quando se está só ou entediado nada melhor para acalmar a alma ou agravar ainda mais a situação do que pensar):
"Tunéis são como portas.Ou vice-versa.São portas prolongadas que perfuram montnhas e morros.Cada sentido de um túnel é único e o retorno é impraticável - caso contrário, despende-se muito tempo.Impraticável é também- se não para os tolos - subir a montanha - Há que prefira.. vai saber!Também não se pode parar na boca de um túnel, meu amigo - ou serás engulido ou te empurarrão para dentro - não há semáforo - o fluxo continua!! Talvez eu não queira atravessar o túnel, nem todas as portas para efeitos de constatação.. não agora. Talvez quisesse fazer de todas as portas túneis - prolongá-las eternamente (como talvez , quem sabe ,gostaria de fazer o mesmo com a infância e a adolecência).Mas aí, como saber quando fechá-las, quando deixá-las abertas.. onde começaram onde terminam... quais são giratórias??
A cada porta um novo papel.A cada porta somos o mesmo "novo" nós de sempre.
Entraria ele pela porta de sua casa e enfrentaria seus pais como bom filho.. e por inúmeras outras portas também..À esperá-lo: a da universidade,sei lá.. um escritório, quem sabe, um avião,uma igreja, uma maternidade.. uma porta no céu, outra no inferno..
Talvez crescer, em parte, signifique assumir diferentes papéis.. condizentes com cada porta pela qual passamos.Elas exigem de nós diferentes posturas. Só que quando os papéis se tormam pesados demais.. de madeira,ferro ou concreto... a vida se torna nefasta(?). E se as portas, essas ,forem feitas de papel .. e se desmoronarem sobre nossas cabeças?
9 comentários:
Esqueci o que fazia questão de destacar: e quando as portas não são portas.. são vestíbulos!!??
Nota: o que um aboa aula de química não produz!!??
=**
AI AI NADA COMO O ÓCIO PROUTIVO NAS AULAS DE QUÍMICA.
Sobre o texto, isso é normal(ou comum se preferir), todos temos nossos conflitos internos. Que caminhos pegar... o que fazer... porque fazer... decisões que mudam nossas vidas.
Tudo isso para dizer se no final valeu a pena.
Ótimas metáforas, acho que com esse texto você deve ter descoberto o quanto a vida se desenvolve através dessas.
Quanto ao saber a hora para a infância/adolescencia acabar, não tem hora, cabe a você decidir quando irá arriscar novos horizontes, e antes vc decidir do que decidirem por você. Correr atrás dos proprios sonhos, inclue mais responsabilidades do que sempre imaginamos, e realizar tal sonhos assumindo as responsabilidades nos permite ter noção do quão a vida ainda tem para nos mostrar neste 'infinito fim'.
Acho que existem portas por nós idealizadas e que contém caminhos idealizados, e as portas de fato, que conduzem aos caminhos reais - que precisávamos, de fato, percorrer.
Por exemplo: o teatro eu encarei como uma porta que me levaria a um processo de perda de timidez que seria interessante para a minha vida. Porta idealizada.
Na verdade, não perdi a timidez: mas aprendi que a fraqueza humana é sentimnento natural de todos nós (quem não é inseguro e tímido nos exercícios e no palco?), e mesmo assim temos capacidade de encantar e sensibilizar os outros, temos uma força de arte dentro de nós - que eu desconhecida. No teatro, também pude conhecer você e tantas outras pessoas queridas.
Olha o tanto de portas reais! Eu nem imaginava... O acaso vai nos dando opções maravilhosas, sem que tenhamos ciência da sua magnanimidade.
Sobre a angústia do menino, é a angústia de todos nós, envoltos pela sociedade e família que nos cobra em muita coisa, alucinadamente...
Somos todos crianças inseguras, pequeníssimas diante do mundo, não temos o direito de exigir nada de ninguém.
Às vezes sou como o garoto caçula. Outras vezes sou como o irmão mais velho. Infelizmente, algumas vezes sou como o pai deles. Também "Sou muitos". :) Tenho de escolher com mais sabedoria quem serei - e, olha só, isso também são portas!
Bom, Paula, se eu escrever mais vou acabar publicando esse post no meu blog, hehehe...
Grande abraço, amiga-mana, tô com saudades e ainda não esqueci sua promessa (a Mônica vai nas creches no fim de dezembro, se você puder!).
Beijão!
' a fadiga o consumira.. a idéia de que ninguém, nem mesmo seu irmão com quem sempre se entendera, o compreenderia por maior que fosse o seu esforço o cansara de vantagem'
'.Achei que suportaria todas as cobranças,pressões e tapas-na-cara do mudo e rindo, pediria mais morrendo de sede.Achei que as respostas viram com mais facilidade.. antes mesmo d´eu pronunciar a pergunta'
queria muito responder todas as perguntas do teto, ams vcê, mais do que ninguém, sabe o que eu senti ao ler esse texto. identificação profunda. árabéns pelo textoo paula ;D
e o obrigada por existir na minha vida! :D
Como disse o Lucas: "e antes vc decidir do que decidirem por você".
As coisas tem o seu tempo.
Um exemplo:
Foi muito mais proveitoso ler esse texto hoje que se tivesse lido antes das 17:38h de ontem.
Consegui compreende-lo melhor.
ps.: É como o Godoy profetizou: "existem portas por nós idealizadas e que contém caminhos idealizados, e as portas de fato, que conduzem aos caminhos reais - que precisávamos, de fato, percorrer".
E que posso associar ao que te disse. Se fizermos o que nos faz bem, uma hora descobriremos um bem que nem sabíamos que existia. Escolhendo as portas corretas (o que nos faz bem), abriremos mais portas da mesma maneira. E aí é só correr pro abraço.
\o
Olha, gosto muito dos seus textos,mas por vezes eu os acho muito carregados de informações, você conduz os leitores pela mão e não os solta até que cheguem ao fim da história, ou do túnel, por assim dizer. Deixe os leitores adivinharem os caminhos, descobrirem novas saídas e até mesmo se perderem. Às vezes é melhor não dizer tudo e deixar que cada tire suas próprias conclusões. Tirando essa característica "condutora", seus últimos textos estão muito bons e são escritos com muita sensibilidade pois percebo que há muito de você neles, suas experiências, seus anseios, suas críticas, sua angústia, sua censura, sua independência. Não temos todas as respostas na vida, não precisa nos dar todas as respostas nos seus textos. É só uma opinião ponderada, ok? Beijos e boa semana para você! Take care and take it easy.
Menina, escreve um livro :)
Adorei a parte "eu me sentiria seguro em saber que posso ser inseguro..."
:*
Nossa Paula... Excelente. Nem consigo te imaginar escrevendo um texto desses em "50 minutos de aula do Arilson". nossa, sem palavras....
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