Já nem me lembro mais como foi que esse texto parou em minhas mãos. Sei que foi ele que me fez despertar para reflexões acerca da complexidade dos homens.. e claro, para o teatro. Foi também a primeira coisa que li de Plínio Marcos - nome ao qual recorri inúmeras vezes depois e que hoje considero, ao lado de Nelson Rodrigues, um dos maiores dramaturgos brasileiros.
O Ator
Por mais que as cruentas e inglórias batalhas do cotidiano tornem um homem duro ou cínico a ponto de fazê-lo indiferente às desgraças e alegrias coletivas; sempre haverá no seu coração, por minúsculo que seja, um recanto suave onde ele guarda ecos dos sons de algum momento de amor já vivido.Bendito seja quem souber dirigir-se a esse homem que se deixou endureçer, de forma a atingi-lo no pequeno, porém macio núcleo de sua sensibilidade e por aí despertá-lo,tirá-lo da apatia, essa grotesca forma de autodestruição a que por desencanto ou medo se sujeita e por aí inquietá-lo e comovê-lo para as lutas comuns da libertação.
O ator tem esse dom. Ele tem o talento de atingir as pessoas nos pontos onde não existem defesas. O ator, não o autor ou o diretor tem esse dom. O público vai ao teatro por causa dele. O autor e o diretor só são bons à medida que dão margem às grandes interpretações.
Mas o ator deve se conscientizar de que é um Cristo da humanidade: seu talento é mais uma condenação do que uma dádiva.
Ele deve saber que para ser ator de verdade vai ter que fazer mil e uma renúncias, mil e um sacrifícios. É preciso coragem, muita humildade e, sobretudo, um transbordamento de amor fraterno para abdicar da própria personalidade em favor de seus personagens;com a única intenção de fazer a sociedade entender que o ser humano não tem instintos e sensibilidades padronizados, como pretendem os hipócritas, com seus hipócritas códigos de ética, conduta, sedução e poder.
Amo o ator nas suas alucinantes variações de humor, nas suas crises de euforia ou depressão. Amo o ator no desespero da sua inseguança, quando ele, como viajante solitário, sem a bússola da fé ou da ideologia é obrigado a vagar pelos labirintos de sua mente procurando, no seu mais secreto íntimo, afinidades com as distorções de caráter do seu personagem.
Amo o ator mais ainda quando,depois de tantos martírios, surge no palco com segurança, oferecendo seu corpo, sua voz, sua alma, sua sensibilidade para expor, sem nenhuma reserva, toda a fragilidade do ser humano reprimido, violentado.
Amo o ator por se emprestar inteiro para expor os aleijões da alma humana, na tentativa que o público se compreenda, se fortaleça e caminhe no rumo de um mundo melhor, a ser construído pela harmonia e pelo amor.
Amo o ator consciente de que a recompensa possível não é o dinheiro,nem o aplauso, mas a esperança de poder rir todos os risos e chorar todos os prantos. Amo o ator consciente de que, no palco, cada palavra, cada gesto são efêmeros, pois nada registra nem documenta sua grandeza.
Amo o ator e por ele amo o Teatro. Sei que por ele o Teatro é eterno e jamais será superado por qualquer arte que se valha da técnica mecânica.
Um comentário:
Grande texto, grande homenagem, grandes verdades.
Obrigada por compartilhar o texto.
Talita
Postar um comentário