19.11.09

Mimetismo de P.

Ser
Pare(ser)
Pade(ser).
Padecer de
Parecer.
Pare!
Pa(re)(de)ser!
Seja.

6.11.09

Sobre portas e papéis

"Achei que quando a gente fosse grande realmente nos tornaríamos grandes" disse o rapaz dirigindo-se ao irmão mais velho que dirigia disperso pelo movimento da avenida.A maneira como ele formulara seu pensamento lhe rendera ares infantis de menino,pelo menos mais do que era de fato. O sinal fechou e o irmão mais velho freiou docemente,de forma que pode então dedicar-se à questão existencial de seu irmão: "Não compreendo - já não se é grande?" ele indagou retoricamente esboçando um sorriso tranquilo de canto de boca que mascarava sua procupação.Seu irmão não ia bem e ele o sabia. Todos dentro da esfera familiar sabiam.Aceitavam,embora não sem dor.É que às vezes o aceitável não é necessariamente admissível -é esse o vitelo da maioria do conflitos (dos existenciais aos familiares),mesmo os não exteriorizados.

O caçula pôs-se então à explicar.Respirou hesitante.Parou sem começar: a fadiga o consumira.. a idéia de que ninguém, nem mesmo seu irmão com quem sempre se entendera, o compreenderia por maior que fosse o seu esforço o cansara de vantagem. "Esqueça" ele retrucou dando com os ombros e virando o pescoço para a janela.Em seguida, antes que o meis velho continuasse, voltou atrás e soltou palavras em fluxo de consicência sem pausa nem para respirar ou para deixar cair as poças de lágrimas que iam formando em seus olhos amendoados: "Mano, é que, é que.. sempre idealizei que aos 18 eu já seria homem adulto Homem maduro Para além dos limites de uma maioridade penal ou de uma liberdade em dirigir beber Digo, achei que aos 18 minhas inseguranças seriam ínfimas ou que pelo menos eu me sentiria seguro em saber que posso ser inseguro.. seguro de ter inseguranças, entende?
Achei que as besteiras me deixariam e que a seriedadedepapai seria em mim instaurada.Achei que me contentaria com a atenção que me oferecem ao invés de reclamar aquela que não me é dada .Achei que suportaria todas as cobranças,pressões e tapas-na-cara do mudo e rindo, pediria mais morrendo de sede.Achei que as respostas viram com mais facilidade.. antes mesmo d´eu pronunciar a pergunta.Que assumir minhas escolhas seria mais fácil.Que preveria suas conseqüencias.Que as saudades e a nostalgia do colegial,das namoradas e amigos seriam passageiras.Que me levantaria da cama mais disposto e determinado a encarar a vida nos olhos ..a ganhar a vida.. a ser digno dela.Achei que as utopias sobreviveriam e que as coisas seguiriam mais linenares.Achei que poderia separar as minhas múltiplas facetas.Guardar o filho em casa,vestir o profissional pr´o patrão,sustentar o aluno na sala,o amigo pr´as sextas,o apaixonado para as tardes de amor, o filósofo para (a)manhã.Sem que um interferisse no outro.Você não entende, meu irmão! Nada disso eu conquisei!!Nada disso eu sou!!Eu não sou nada!! Nada!
Virou o rosto novamente, sufocando o choro e escondendo a face vermelha ofegante.

O sinal abrira, mas o irmão mais velho permanecera mudo, estático.Buzinas explodiam: "Saia da frente seu imbecíl!" "Anda, seu otário, acelera!!" "Filho da puta - tá travando o trânsito. o sinal está aberto!". À essa altura o carro já tinha morrido - então deram partida novamente e continuaram.

Era quase meio-dia num nublado dia de primavera.Dirigiam de volta pra casa. O primogênito fora buscar seu irmão no colégio - ele cursava o último ano do ensino médio- depois que este, após uma crise de angústia e medo(daqueles medos sem nome,causa ou dono), se recusara a permanecer na aula e o colégio ligara à família do mesmo requisitando que alguém se encaregasse de ir até lá buscá-lo, posto que ele não estava em condições de se conduzir sozinho para casa.Era a quinta vez que o episódio se repetira.Os pais já não sabaim o que fazer. A mãe insistia para procurarem ua ajuda profissional..um psquiatra quem sabe.Já o pai resistia.Era um homem rico, que havia feito fortuna na indústria de pneus.Um homem rico e ignorante.

Os dois homens (supostamente dois) continuavam o percurso.Nada disseram.Não se entreolharam.O silêncio marcado pelo "antedito" era por si só eloqüente e reveleador.
O colégio ficava em Laranjeiras e como de costume naquele horário, o trânsito estava um caos.Moravam em Botafogo.Resolveram pegar o Rebouças e seguir pela Lagoa - (lá o trânsito estaria igualmente perturbado, mas no mínimo a paisagem comtemplativa e convidativa dos Dois Irmãos e da Pedra da Gávea seria mais agradável, sobretudo se vista das ruas recobertas de folhas das tão tradicionais no Rio amendoeiras e sibipirunas - que não escolhem estação para cair)

Quão grande foi o remorso de entrarem no túnel!- Como se houvesse grande opção! - Ficaram presos por cerca de uma hora e meia.Chegaram a pensar que se tratava de um arrastão.Felizmente não.O ocorrido serviu,no entanto, de metáfora para a crise que alguém ali vivia. O irmão mais novo pensou e pensou e pensou consigo ( quando se está só ou entediado nada melhor para acalmar a alma ou agravar ainda mais a situação do que pensar):

"Tunéis são como portas.Ou vice-versa.São portas prolongadas que perfuram montnhas e morros.Cada sentido de um túnel é único e o retorno é impraticável - caso contrário, despende-se muito tempo.Impraticável é também- se não para os tolos - subir a montanha - Há que prefira.. vai saber!Também não se pode parar na boca de um túnel, meu amigo - ou serás engulido ou te empurarrão para dentro - não há semáforo - o fluxo continua!! Talvez eu não queira atravessar o túnel, nem todas as portas para efeitos de constatação.. não agora. Talvez quisesse fazer de todas as portas túneis - prolongá-las eternamente (como talvez , quem sabe ,gostaria de fazer o mesmo com a infância e a adolecência).Mas aí, como saber quando fechá-las, quando deixá-las abertas.. onde começaram onde terminam... quais são giratórias??

A cada porta um novo papel.A cada porta somos o mesmo "novo" nós de sempre.
Entraria ele pela porta de sua casa e enfrentaria seus pais como bom filho.. e por inúmeras outras portas também..À esperá-lo: a da universidade,sei lá.. um escritório, quem sabe, um avião,uma igreja, uma maternidade.. uma porta no céu, outra no inferno..
Talvez crescer, em parte, signifique assumir diferentes papéis.. condizentes com cada porta pela qual passamos.Elas exigem de nós diferentes posturas. Só que quando os papéis se tormam pesados demais.. de madeira,ferro ou concreto... a vida se torna nefasta(?). E se as portas, essas ,forem feitas de papel .. e se desmoronarem sobre nossas cabeças?